20 fevereiro 2007

ENSAIO

Levantou-se bem cedo, ainda atordoado da noite mal dormida. No quarto um cheiro gostoso de café que acabara de ser coado. Era sinal de que a mãe já estava em pé. Esfregou o rosto com as mãos e foi para a cozinha. Nossa, que cara é essa ? perguntou a mãe. Ele nada respondeu, passou direto e foi no quintal passar água no rosto. Já na cozinha de volta a mãe insiste: Até parece que não dormiu. Dormi um pouco, respondeu servindo-se de café quente numa caneca de alumínio. Vou até a cidade mas já volto, disse emendando. Fazer o quê assim tão cedo ?, quis saber a mãe. Nada, é rápido, respondeu, saindo pela porta da cozinha. Cruzou a passos largos o quintal, espantando algumas galinhas que por ali ciscavam. Atravessou o pasto pela trilha habitual, molhando as barras da calça com o orvalho da manhã. Em pouco tempo estava no meio do cafezal, cujo cheiro das flores lhe causavam tontura. Do alto do morro avistava a cidade há alguns quilômetros. Apressou ainda mais os passos. Estava com uma aparência aflita. Já na cidade parou em frente a uma casa pintada de ocre. Bateu palmas. Uma moça de cabelos pretos longos e molhados atendeu, com o pente na mão. Oi Lúcio, caiu da cama ? disse brincando. É, respondeu ele. Sua irmã já acordou ? Lourdes, o Lúcio está aqui, gritou ela olhando para dentro da casa. Rapidamente chegou à porta aquela que seria a Lourdes, também de cabelos longos, presos com prendedor, toda assustada. Que foi Lúcio ? perguntou. Preciso te falar uma coisa, disse ele num misto de vergonha e ansiedade. Fale, cobrou ela. Ele aguardou que a irmã da moça entrasse na casa para aproximar-se, e bem baixo disse que não conseguira dormir porque pensou nela a noite inteira. Enquanto falava ele sentia um calor anormal no rosto. Não conseguia levantar a cabeça e olhar nos olhos da Lourdes. Vim te dizer, murmurou quase inaudível, que estou te amando. Era isso que vim te dizer, arrematou cabixbaixo e envergonhado. Puxa Lúcio, gostei, disse ela passando a mão no rosto dele. Ele levantou o rosto e olhou nos olhos dela que estavam vermelhos e marejados. Beijaram-se. Rapidamente despediram-se. Ela entrou em sua casa acenando e ele respondendo enquanto acelerava os passos na volta para o sítio onde morava. Na volta não sentiu o cheiro das flores dos cafezais, nem orvalho, nada, pois estava voando tão alto que nem percebeu a volta.

TIO SANTO


Não sei porque a maioria das crianças acaba elegendo um parente para se apegar mais. Eu, por exemplo, adorava meu tio SANTO. Era esse o nome dele. SANTO CONQUISTA. Aliás fiquei a manhã toda de ontem tentando saber o motivo a que me levou a pensar no tio SANTO. Hoje descobri finalmente o porque. Estou fazendo uma cortina na garagem de bambu gigante. Lixei-os e agora estou pintando de várias cores fortes. Alguns bambus estão sendo atacados por uns bichinhos que parecem cupins, só que bem menores. Eles furam o bambu destruindo-o. Fui até uma loja especializada e me venderam um veneno para matar os bichinhos. Cinco ml para cinco litros de água, tamanha a potência inseticida do veneno. O cheiro é insuportável. Está lá no rótulo "venda apenas para empresas especializadas". O vendedor nem me perguntou se tenho empresa especializada. Após aplicar o veneno, tive que sair do cômodo onde estão os bambús. Lavei-me e o cheiro ficou impregnado nas mãos e roupa. Foi aí que lembrei-me do tio SANTO. Ele devia ter em torno de vinte e cinco anos e eu 6 ou 7 anos. Quando ele vinha nos visitar eu ia na Estação da Estrada de Ferro aguardá-lo. Dava a mão para ele e subíamos a ladeira da rua principal. Ele tinha que parar a cada cinquenta metros pois tinha os dois pulmões comprometidos pelo inseticida que pulverizava na lavoura sem nenhuma proteção. Ele transpirava às bicas. Morreu antes de completar trinta anos. Minha mãe quando recebeu a notícia foi chorar no fundo do quintal para que eu não a visse. Ela escondeu de mim essa notícia triste até quanto pode. Incrível até hoje vejo o tio SANTO sorrindo e me abraçando e se esforçando para falar comigo em tom de voz normal. A rosa aí é para ele. Homenagem póstuma em tempos de internet, mas com a mesma emoção de antes.

MOMENTO SECRETO

Essa conversa de que homem não chora é a maior besteira que inventaram a respeito do homem. Aquele choro de homem em público quando há alguma solenidade, é puro choro emocional, de momento. Não queira ver um homem escondido chorando de despero, solidão, depressão. É a coisa mais deprimente e triste do mundo. Nesse momento deixa de ser homem e passa ser um trapo humano. E com trapo pode-se fazer de tudo, inclusive exterminá-lo sem que ele se importe. O terrível disso tudo é que TODOS os homens têm seu momento de trapo humano secretamente.