26 julho 2011

QUANDO A PRIMAVERA VIER

Quando a primavera vier vou visitar a Maria, não a irmã mais velha, mas a mais experiente, a que veio primeiro. Conversarei com o seu marido e contaremos histórias da vida passada e recente, depois almoçaremos a comida caseira feita pela Maria em panelas de barro e ferro. Até parece que estou sentindo aquele cheirinho bom no ar, em pleno Bairro do Jabaquara. Depois irei ver a Odete, a que veio em segundo lugar. Sorriso tímido, bem acanhado. Foi a que me cuidou na infância enquanto a mãe ia para a roça colher algodão. Sofreu muito na sua juventude em função de uma bronquite crônica, que só melhorou quando casou e foi morar na poluída Diadema. Ela e seu marido ainda moram na mesma casa, há 40 anos!! Em seguida verei o Osvaldo, o terceiro, lá em São Bernardo do Campo, que não o vejo há muito tempo. Daremos boas risadas, como sempre. Aliás o Osvaldo não ri, ele gargalha, e alto. Se a Laura, sua esposa, estiver por perto ela o reprime. Como eles gostam muito da minha muqueca de peixe, se der tempo vou prepará-la. De volta para Araraquara irei logo ver o Zeca, o quarto filho a encher os cômodos da família Miranda. Esse tem história que caberia em vários livros. Não tenho nenhuma lembrança de vê-lo bravo, aliás, minto, uma vez ele ficou tão bravo comigo porque enquanto ele estava trabalhando eu encontrei a chave da lambreta dele e fui zoar com os amigos. Queimamos toda a gasolina que estava no tanque para o desespero dele. Ele ia me xingar e não saia nada, ele só gaguejava. Pura maldade de adolescente sem juízo. Tem um coração que não cabe no peito. Ainda nessa primavera devo ir até a casa da Nice, a sexta presença dos Miranda, pois o quinto foi esse blogueiro, A Nice é aquela que ainda não sabe o que é maldade. Tudo para ela está bom. Todas as pessoas são boas. O mundo é bom. O seu marido Geraldino, é esse mesmo o nome dele, um negro de olhos azuis. Eu disse a ele que esses olhos azuis são originários da descendência de europeus, boa parte deles holandeses quando invadiram o norte e o nordeste do Brasil na época do Império. Eles mantinham relações sexuais com as escravas, na verdade a maioria das vezes era estupro. Ele, simples como é, apenas sorri da história e não acredita. E agora a Tide, a costureira, a sétima a dar a cara na família. Minha mãe sentiu as dores e contrações do parto de madrugada – não sei porque essas coisas só acontecem de madrugada - e chamou meu pai, que imediatamente foi buscar a parteira. Detalhe, nossa família morava a cinco quilômetros da cidade, onde residia a parteira, uma senhora gorda, alcoólatra. Meu pai saiu às cinco da manhã e só voltou às 10 horas. Quando entraram em casa encontraram minha mãe com a Tide no colo. Nasceu sem ajuda de ninguém. A parteira gorda, quando a viu, deu um sorriso largo, sentou-se pesadamente na borda da cama e toda molhada de suor, enfiou a mão na sacola que trazia, tirou de lá um litro de pinga e no gargalho solveu a metade, para comemorar, como disse. Dormiu ao lado da minha mãe o dia inteiro, bêbada. Bem, ainda não acabou, pois antes de terminar a primavera, vou ainda na casa da Nina, a oitava e última. Visitar a Nina é sempre uma experiência diferente. Conversamos, sorrimos e aí fazemos um silêncio profundo. É nesses silêncios que mais nos comunicamos. Os olhares se perdem e quando se encontram a sensação é que acabamos de nos encontrar novamente. É uma viagem sem sair do lugar. A massa física fica imóvel, mas o espírito (pensamento) voa longe. Quando a primavera estiver chegando ao fim, voltarei para casa, mentalmente revisarei as visitas, me recolherei no silêncio do meu quarto e certamente sei que vou chorar.