29 janeiro 2010

REUNIÃO DE FAMÍLIA




Na caminhada domicical tive a oportunidade de fotografar a família da coruja buraqueira. A primeira foto é de um filhote. Na segunda foto a família está reunida, sendo as duas aves do centro os pais. Como eu sei disso? Simples, como é a tarefa deles cavocar para fazer o ninho, percebam os pés de quem está muito mais sujo de terra. Os pés dos filhotes estão um pouco sujos porque, afinal, tem que começar a aprender como fazer buracos.


A MESMA CENA, DOIS OLHARES


Ir de novo atravessar caminhos ladrilhados da ossaria dos nossos soldados, sentir debaixo das patas do animal que me levasse, o estalo seco dos ossos partidos, ver ainda de braços abertos, como que crucificado no chão, o cadáver seco daquele cabo negro que tanto me impressionou e que tem os pés tão perto do leito da estrada que a gente volta o cavalo ao flanco para não pisá-lo?! Que riso branco e grande o dele! Aquela boca horrivelmente escancarada, lá estará com a alvíssima dentadura escarnada a gargalhar aos viajantes.
Por que tanto me impressionou o arcabouço seco e mumificado daquele preto? Seria por causa do talho atroz que tinha na fronte até o alto da cabeça aberta, mostrando o crânio fraturado?
Talvez seja este um motivo; o outro é, porém, mais notável. É o fim da história de quem não teve princípio na história.
(....)
Como é simples e sublime a história deste cabo preto de quem eu não queria mais ver o cadáver a rir pra os transeuntes no meio do caminho?!
E era tão fácil eu deixar de vê-lo outra vez ... Fácil, sim, mas nesta facilidade é que está toda a dificuldade.
(No Calor da Hora – A Guerra de Canudos nos Jornais – 4ª Expedição – Walnice Nogueira Galvão – São Paulo – Ed. 1974 – Ed. Ática – págs. 320/321 (texto do JORNAL DO COMÉRCIO, edição de 19/08/1897 – Correspondente Capitão Manuel Benício)

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Ao lado uma árvore única, uma quixabeira alta, sobranceando a vegetação franzina.
O sol poente desatava, longa, sua sombra pelo chão e protegido por ela – braços largamente abertos, face volvida para os céus – um soldado descansava.
Descansava... havia três meses.
Morrera no assalto de 18 de julho. A coronha da Mannlicher estrondada, o cinturão e o boné jogados de uma banda, e a farda em tiras, diziam que sucumbira em luta corpo a corpo com adversário possante. Caíra, certo, derreando-se à violenta pancada que lhe sulcara a fronte, manchada de uma escara preta. E ao enterrar-se, dias depois, os mortos, não fora percebido. Não compartira, por isto, a vala comum de menos de um côvado de fundo em que eram jogados, formando pela última vez juntos, os companheiros abatidos na batalha. O destino que o removera do lar desprotegido fizera-lhe afinal uma concessão: livrara-o da promiscuidade lúgubre de um fosso repugnante; e deixara-o ali há três meses – braços largamente abertos, rosto voltado para os céus, para os sóis ardentes, para os luares claros, para as estrelas fulgurantes,,,
E estava intacto. Murchara apenas. Mumificara conservando os traços fisionômicos, de modo a incutir a ilusão exata de um lutador cansado, retemperando-se em tranqüilo sono, à sombra daquela árvore benfazeja. Nem um verme – o mais vulgar dos trágicos analistas da matéria – lhe maculara os tecidos. Volvia ai turbilhão da vida sem decomposição repugnante, numa exaustão imperceptível. Era um aparelho revelando de modo absoluta, mas sugestivo, a secura extrema dos ares. (Os Sertões – Euclydes da Cunha, Ed. Publifolha, 2000, pág. 30)
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Gostaria de publicar junto a estes dois textos, um poema do Haroldo de Campos falando sobre esta cena. Ficou lindo, mas infelizmente não anotei onde ele está. Se encontrar voltou aqui e edito.