26 novembro 2006

MEMÓRIAS SOLTAS

Meu padrinho Arsênio Carniello chamou-me e pediu-me para ir ajudá-lo na colheita de arroz. Não posso, respondi, vou trabalhar na colheita de arroz no sítio do senhor Gumercindo. Tá bom, respondeu-me, dando de ombros, como se percebesse que algo daria errado. O dinheiro que o senhor Gumercindo me pagaria, seria utilizado para comprar entrada para a matinéé, onde iria passar mais um capítulo do Flash Gordon. No dia combinado lá fui eu para o sítio do senhor Giumercindo, às 5:30 da manhã, junto com dois vizinhos. O mais velho de nós três tinha 12 anos. Eu apenas 10. Chegamos lá no sítio e o senhor Gumercindo já estava esperando, com a esposa e a filha, que tinha a mesma idade minha. Foi um dia duro de trabalho, as costas doíam a noite. As mãos mal conseguim fechar. A pele doía devido ao sol. No outro dia a mesma coisa, muito trabalho, sol, dor. Acabamos no final do segundo dia. Passamos pelo sítio do senhor Gumercindo para receber. Ele sentou-se na escada da casa e não falava nada de pagamento. O menino mais velho resolveu cobrar. O senhor Gumercindo olhou calmamente para ele e pediu que voltássemos no sábado para receber. Mal podia esperar pelo sábado. Logo cedinho lá vomos nós. A filha do senhor Gumercindo foi chamá-lo lá no fundo do quintal. Chegou bem perto de nós e perguntou se tínhamos ido receber pelo trabalho. Todos os três em uníssono: sim !!!! E ele: O pagamento fica por conta das melâncias que vocês roubaram do meu cafezal. Foi um choque. Comecei chorar ali mesmo. As lágrimas desciam molhando o rosto. A filha dele que estava logo atrás começou chorar compulsivamente. Nada adiantou, ele a puxou pelo braço e perderam dentro do casarão. Nem fui para casa, passei direto e fui para a casa do meu padrinho Arsênio. Fiquei sentado todo sisudo numa cadeira no canto da sala. E ele: O que foi Rube ?? Contei toda a história. E ele todo durão: Bem feito ! A madrinha que a tudo ouvia, depois de um tempo levantou-se, foi até o quarto, abriu uma caixa de papelão, juntou algumas moedas, contou, trouxe até a sala e me entregou-as. Pode ir no cinema amanhã, disse determinada. O padrinho não disse uma palavra, ficou ali olhando de canto de olho e tirando umas baforadas do cigarro de palha.