20 janeiro 2009

IMAGENS MENTAIS DE TEMPOS IDOS

A Estação ferroviária estava cheia de gente. Funcionários da Estrada de Ferro passavam a todo momento com carrinhos de mão repleto de caixas. As conversas misturadas com risadas e gritos criavam uma confusão na cabeça do menino, que, acompanhado de sua mãe, estava tenso na espectativa da chegada do trem que o levaria para sua cidade natal. O alarme da Estação soou alto avisando que o trem partira da cidade mais próxima. Subiu o tom das conversas no pátio. Começavam as despedidas, os conselhos, o choro da partida. O menino agitou-se, precisando ser seguro no braço por sua mãe. Ele tinha a sensação de que o coração ia saltar pela boca. Os funcionários da estrada de ferro que iriam assumir o comando do trem já estavam a postos com seus uniformes impecáveis verde oliva. O trem aponta na curva próxima. A enorme locomotiva vermelha movida a energia elétrica vem à frente. Ao entrar na Estação a terra treme sob suas cem toneladas de ferro e aço, deslocando o ar, levantando saias e desarrumando cabelos. O menino agita ainda mais, está quase impossível sua mãe segura-lo. O primeiro a descer do trem é um velho funcionário da ferrovia. Ele cumprimenta o colega que está substituindo-o. Entrega a ele a bandeira de mão esverdeada. Retira do bolso da blusa um relógio de bolso e diz lamentando que está atrasado nove minutos. O outro sorri, diz não se importar porque quem irá assumir a locomotiva é o Barbosa e ele com certeza vai recuperar os nove minutos. Nesta Estação troca-se a locomotiva. Sai aquela movida a energia elétrica e entra a diesel elétrica. O menino ainda agitado está com sua mãe procurando o banco aonde se acomodarão. Ouve-se um apito. O menino coloca a cabeça para fora da janela e vê o chefe do trem, com a bandeira esverdeada erguida. O trem buzina alto, dando um suave solavanco no comboio. Novo apito, novo solavanco, desta vez mais forte. A cidade aparece na janela do vagão, que vai ganhando velocidade, aumentando o barulho das rodas de ferro em atrito com as emendas dos trilhos. Ao lado da estrada de ferro, crianças paravam suas brincadeiras para acenar para os passageiros. Para o menino tudo era festa. Vários funcionários com uniformes da companhia vendem dentro dos vagões revistas e guloseimas. A viagem durou quase três horas. O trem estava aproximando da cidade natal do menino. O chefe do trem estava passando no corredor e o menino atrevidamente lhe perguntou se o trem estava atrasado. Ele sem nada responder sacou do bolso da blusa um relógio, sorriu e disse que não, mas que estavam adiantados dois minutos. Guardou o relógio e seguiu caminho. A mãe do menino o puxou com força pelo braço e caminharam rumo a porta. O trem estaciona e eles descem. O menino escapa de sua mãe e ele corre em direção à locomotiva. Lá no alto está aquele que seria o Barbosa, compenetrado nos controles da máquina. O menino grita: Barbosa! Era um homem de mais ou menos quarenta e cinco anos. Bigode bem aparado. Ele sorri, esticando o bigode que acompanha o contorno da boca. O senhor está adiantado dois minutos, grita o menino. Ele olha no relógio de pulso e sorri feliz. Ouve-se um apito. O chefe está com a bandeira verde levantada. Barbosa buzina forte a máquina, deslocando o ar com o barulho. Novo apito, nova buzinada. O trem move-se, soltando muita fumaça pelos escapamentos. Barbosa olha uma última vez pela janela e acena sorrindo para o menino que, aos pulos, e com as duas mãos levantadas despede do Barbosa. Quando o trem some na curva, o peito do menino é tomado por um vazio triste, ficando com a sensação que parte dele ficou no trem.

LEIO O MUNDO (PAULO FREIRE)


Você pode até não perceber, mas esse mundo miúdo está a sua volta em constante mutação. No mato do jardim a delicada flor e suas sementes. Na garagem o ousado fungo (cogumelo) colorido.