18 novembro 2007

ENSAIO - PARTE III - PENÚLTIMA

O Moço tem muitos bichos aqui no quintal, disse o homem que estava sentado na sala. Ele levantou-se foi até o pote de barro e serviu-se de uma caneca com água. Lino que ainda estava absorto em seus pensamentos assustou-se, nada respondendo. O jovem e o mais velho ainda estavam tirando o couro do veado catingueiro no quintal. O terceiro homem estava de costas para o Lino enquanto entornava a caneca com água. Lino percebeu que eles haviam deixado as espingardas encostadas na parede. Lino sentiu um frio passando pelo corpo e uma vontade enorme de saltar sobre elas e sair disparando. E se elas estiverem descarregadas ? Aí ficarei nas mãos deles, pensou. Sentia a testa suar. O homem que estava tomando água depositou a caneca sobre o fogão, pegou as duas espingardas e foi para o quintal. Lino abaixou a cabeça confuso. Lá fora o homem que acabara de sair fazia troça com os outros dois, que lutavam para tirar o couro do animal morto sem cortar a carne. O mais velho voltou para dentro da casa para pegar o sal. Estava cheirando a sangue. Suas mãos e camisa estavam lambuzadas do líquido vermelho. Pegou o sal e voltou para o quintal, antes, porém, disse matreiramente a Lino que suas cabras estavam prontas para um bom churrasco. Lino nada respondeu, só sentia pelo pior. Lá no quintal o mais jovem corria atrás dos cabritinhos e o outro juntava no chão as entranhas do animal morto numa lata velha e enferrujada. Leva-a até a cerca do fundo do quintal e despeja seu conteúdo que servirá de comida aos urubus. O mais velho tirou o bicho morto da forquilha e o depositou sobre um estrado de madeira. O couro ele esticou com estacas após salgá-lo. Estavam todos os três distraídos. Suas espingardas estavam sobre o coxo de madeira. Uma idéia passou pela cabeça do Lino que assistia o movimento dos três homens. Pensava Lino em antecipar qualquer desgraça. Deveria aproveitar esse momento de distração dos homens, pegar sua espingarda e atirar neles. Tinha que ser rápido e escolher dois, afinal sua espingarda só tinha dois cartuchos e recarregá-la poderia demorar e ele ser alcançado por aquele que restar. Poderia matar dois e correr, pensou. Talvez fosse mais fácil atirar em dois e agarrar-se ao mais fraco, quem sabe o velho. É isso, pensou Lino. Atiro nos dois jovens e me agarro ao mais velho, se der acerto a cabeça dele com a coronha da espingarda. Lino transpirava e seu coração batia forte. Afastou-se calmamente até a porta do quarto sem virar-se. Com a mão esquerda foi tateando pela parede até sentir o cano frio da espingarda. Agarrou-o e a trouxe para perto do corpo. O mais jovem dos homens agarrara um cabritinho pela pernas traseiras e o trazia para perto da forquilha de cabeça para baixo. O bichinho berrava e se debatia desesperadamente, talvez assustado com o cheiro de sangue coagulado que manchara o chão. O outro jovem veio em socorro do amigo. Ambos estavam ocupados em pendurar o cabritinho na forquilha pelas pernas traseiras. O mais velho estava salgando a carne do veado catingueiro sobre o estrado de madeira que Lino usava para as tarefas diárias no quintal. Esta é a hora, pensou Lino. Os mais jovens estavam juntos, era difícil errar o tiro. O mais velho estava de costas desarmado e longe das espingardas. Lino enxugou o suor da testa, engatilhou a espingarda e cautelosamente encaminhou até a porta.

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