15 outubro 2008
DEVANEIO EM DIA DE CALOR
O calor estava insuportável. O cerebro parecia recusar-se a pensar. Pegou o fone de ouvido, colocou-o. Ligou o computador, escolheu um CD qualquer no meio de um amontoado deles. Sem ver o autor, inseriu na gaveta do CD player. O volume estava alto, mas ficou assim. Navegava sem interesse por vários sites na internet. Percebeu uma música conhecida que o fez prestar atenção por um instante. Era Asa Branca. Quem estava cantando não era o conhecido Luiz Gonzaga. Voltou sua atenção para a internet. Ali pelas tantas começou ouvir um acorde conhecido que o fez arrepiar de emoção e lembranças. Seu pensamento, ora sossegado e desinteressado, transportou-o para o longíquos anos da Ditadura Militar. Confusão na praça, a polícia chutando pessoas e passando com os cavalos sobre os estudantes. O hino era "Para não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré, que agora tocava alto nos fones de ouvidos. Tinha 20 anos, estudava na quinta série, junto com 40 pirralhos de 12 a 13 anos. Apanhou da polícia num dia e foi obrigado a desfilar no 7 de setembro no outro dia. Maldito dia. O Tenente não o viu cantando o hino nacional. Veio até ele babando como um cão feroz "porque não está cantando?" latiu, melhor, gritou. Porque não sei, foi a resposta. Ele ficou tão desconcertado, deu um giro no corpo e com a mão direita empurrou o rapaz que o obrigou a dar um passo para traz. O militar afastou-se nervoso. No próximo dia de aula a diretora pediu para todos os alunos saírem da sala, menos o jovem que não soube cantar o hino. A diretora chamou a professora de música e determinou que ela ensaiasse esse impatriota a cantar o sagrado Hino Nacional. Ela levantava a mão com as notas musicais e o rapaz ficava mudo. Foi assim por muito tempo, até que a professora desistiu e saiu da sala. O ambiente ficou estranho, todos nervosos. Havia um contágio perigoso num jovem de 20 anos que não sabia cantar o Hino Nacional. Todos os dias o boato era de que seria expulso da escola. Chegou as provas finais, ele fechou todas as matérias. Como não faltava, pode se dar ao luxo de não mais aparecer naquele lugar lúgrebe, até o dia que transferiu-se para um colégio particular, custeado por amigos. A música acabou, silêncio nos ouvidos e no cérebro. Hoje o país é muito diferente. Um operário é o presidente e nas escolas canta o Hino Nacional quem realmente quer e ama seu país não porque tem na sua frente um militar babando de raiva.
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Um comentário:
é... tempos de criança em escola de ditadura! mas sei lá... hj, vendo as crianças (não) formarem fila, sinto um pouco de saudades daqueles tempos (da escola, deixando claro, rs!). o excesso de liberdade gerou um caos nas relações... tenho pena ainda das professoras, antes pq tinham que ser severas e hj pq não conseguem sê-lo...
beijos
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